INSTITUTO ANCHIETANO DE PESQUISAS
50 ANOS

Dia 22 de abril de 1956. Eu era, então, um jovem jesuíta, que morava e lecionava no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, ao mesmo que estudava História e Geografia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Lembro-me da tarde em que uns poucos jesuítas maduros, agrupados numa das salas de reunião do estabelecimento, me chamaram para secretariar a sessão de fundação do que seria o Instituto Anchietano de Pesquisas. Escrevi a ata e, como todos os que a subscreveram, fui declarado sócio fundador da nova entidade. Nos cinqüenta anos que passaram desde então, sempre estive muito envolvido na sua história, da qual me proponho a recordar, brevemente, alguns passos.

O IAP foi criado, naquela data, para congregar jesuítas da província meridional da Ordem, que desenvolviam pesquisas nos colégios e na missão de Diamantino, no Mato Grosso, e para facilitar a publicação de seus trabalhos e garantir a continuidade de seus projetos e acervos.

Por que fundar um instituto? Naquele tempo o sistema universitário era incipiente, ainda eram os institutos históricos e geográficos os que reuniam os pesquisadores para discutir seus trabalhos, e nos colégios dos jesuítas muitos professores, além de lecionar, também pesquisavam, ou se ocupavam de divulgação da Cultura, de acordo com os padrões da época. A maior parte desses pesquisadores tinha formação geral em Humanidades, Filosofia e Teologia e a partir desse lastro buscavam preencher lacunas no conhecimento da região e do país em que trabalhavam. Embora entre eles houvesse algum estrangeiro, quase todos eram nascidos no Brasil. Tratava-se de um movimento pioneiro difuso, que antecedeu a instalação da pesquisa e da pós-graduação nas universidades brasileiras; este se deu a partir do final da década de 1960 e, de forma mais acentuada, nas décadas de 1970 e 1980.

O tradicional Colégio Anchieta, na rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre, era, então, o principal colégio jesuítico do Sul do Brasil: uma casa que reunia ensino, educação e cultura. Sua comunidade abrigava 33 jesuítas, entre professores e estudantes que, depois de seus estudos humanísticos e filosóficos, buscavam especializações nas universidades da capital do Estado. Entre os membros da comunidade havia pesquisadores como Balduíno Rambo, dedicado a estudos de Botânica sistemática e que lecionava Antropologia na UFRGS; Luis Gonzaga Jaeger, que escrevia a História da Província jesuítica, Matthias Schmitz, professor de Química na Faculdade de Farmácia da UFRGS; Pio Buck , que estudava borboletas e coleópteros, Canísio Orth, estudioso de plantas medicinais e Ernesto Maurmann, que se ocupava de museus de História Natural.

Primeiro Prédio do Colégio Anchieta, na Rua Duque de Caxias, Porto Alegre.

O Colégio Catarinense, em Florianópolis, era parecido ao Anchieta. Nele se destacaram João Alfredo Rohr, o arqueólogo que mais escavou no Brasil; Beno Schorr, professor de Física, construtor de estações de rádio; Bertoldo Braun, dedicado à História Natural.

Nas incipientes Faculdades jesuíticas de São Leopoldo criava-se um sólido núcleo de Biologia, com professores-doutores. Vale a pena lembrar Josef Hauser, com suas Planárias; João Oscar Nedel, estudioso de Abelhas; Aloísio Sehnem, com Botânica sistemática; Pedro Ernesto Haeser,e Clemente Steffen.

Nas Pontifícias Faculdades de Filosofia e Teologia de Cristo Rei vivia Arnaldo Bruxel, conhecido por seus trabalhos sobre a história das reduções da Bacia do Prata.

Na Missão de Diamantino, MT, sobressaía Adalberto Holanda Pereira, pelas pesquisas sobre os mitos indígenas.

Estes eram os sócios mais antigos e com maior evidência no momento. Logo apareceram outros, como Milton Valente (História Romana), Arthur José Rabuske (História regional), Herbert Wetzel (História do Brasil), Evaldo Heckler (Lingüística), Rafael Carbonell de Masy (História da Bacia do Prata), Bartomeu Meliá (Antropologia), Josafá Carlos de Siqueira (Botânica), Guido Wenzel (Bioquímica), para mencionar só os mais conhecidos. Nos colégios havia, também, pessoas que se destacavam por sua ação cultural ou social e que foram incluídas como sócios da nova entidade.

Além de pesquisadores já formados, que constituiram a primeira geração de sócios, estavam sendo preparados diversos jovens jesuítas, encaminhados de tal modo que cobrissem a maior parte dos setores de conhecimento. O Instituto, cuja sede estaria no Colégio Anchieta, era planejado para se tornar um centro de pesquisa multidisciplinar, semelhante aos grandes centros científicos então conhecidos na América Latina.

O desenvolvimento do Instituto foi bastante diferente do sonho e do projeto. Em 1961, com apenas 56 anos de idade, morre Balduino Rambo, seu principal idealizador e patrocinador; seu Herbário passou à guarda do colega Aloísio Sehnem. Em 1963 morreu Luis Gonzaga Jaeger, outro patrono, primeiro diretor e editor dos primeiros números da revista. Sucessivamente foram desaparecendo outros pesquisadores tradicionais. O Colégio Anchieta, do majestoso prédio do centro da cidade, transferiu-se para uma construção moderna na periferia e, com isso, a comunidade também mudou de orientação, dando maior ênfase à educação da juventude.

Na década de 1960, com uma nova orientação na Igreja Católica, a maior parte dos jovens que deveriam continuar a pesquisa dos antigos, deixa a Companhia de Jesus. Com isso o aumento de pesquisadores e a continuidade dos trabalhos deixaram de se realizar.

Já sem espaço em Porto Alegre, o Instituto foi transferido para a proximidade das Faculdades, que se iam constituindo e consolidando em São Leopoldo e, em 1969, deram origem à Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS. Esta absorveu a maior parte das pesquisas, que, aos poucos, deram origem a programas de pós-graduação.

Depois do Anchieta, durante 20 anos o Instituto ocupou um antigo prédio da Sociedade Antônio Vieira, nome civil da província jesuítica do Sul do Brasil, e, em 1983, mudou a sede para um grande prédio reformado, antigo Seminário, no qual, atualmente, as pesquisas, os acervos e o museu ocupam 5 andares muito agradáveis e convenientes. Na sede do Instituto, rua Brasil 725, São Leopoldo, RS, encontra-se, atualmente, o Herbário, com 140.000 exemplares, sua biblioteca especializada, laboratórios, funcionários, pesquisadores e bolsistas; o setor de Arqueologia, com seus acervos, laboratórios, pesquisadores, bolsistas e pós-graduandos; a biblioteca geral do Instituto; a grande Biblioteca da Província Sul-Brasileira S.J.; a Biblioteca e Acervo Milton Valente; o Acervo Arnaldo Bruxel; o pequeno museu com seus setores Arqueologia e Capela, que atende anualmente milhares de alunos da região.

Em 1957, sob a responsabilidade de Luis Gonzaga Jaeger, foi lançado o primeiro número de PESQUISAS, juntando contribuições de diversos setores de conhecimento. Em 1958, ainda sob a mesma direção, publicou-se o segundo volume, com as mesmas características. Em 1959, tendo Balduíno Rambo como editor, é lançado o terceiro número, já dividido em História e Ciências Naturais. Em 1960, “Pesquisas” começa a sair em quatro setores: História, Antropologia, Botânica e Zoologia. História, com 30 números publicados, foi suspensa em 1998, para não duplicar a revista de História, criada na UNISINOS. Zoologia, com 33 números publicados, foi suspensa em 1982, por razões parecidas. Continuam Antropologia, com 63 números e Botânica, com 56.

De 1960 a 1967 ainda se publicaram 4 números de um boletim, chamado “Communications”. Um seriado independente, chamado “Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil. Documentos” também já tem 10 volumes editados. Ainda existem 16 volumes de “Publicações Avulsas”.

Como se sustentou o Instituto durante todo este tempo? Ele sempre esteve instalado em prédios da Sociedade Antonio Vieira, sua mantenedora. Os pesquisadores quase todos gozaram de bolsa de pesquisa e tiveram acesso fácil a verbas do CNPq. Quase todos eram professores universitários, onde eram remunerados e muitas vezes tinham seus laboratórios.

Houve um tempo em que foi difícil manter as publicações e o intercâmbio internacional, que é indispensável para manter certa atualização das bibliotecas. Mas já faz mais de 20 anos que existe um convênio com a UNISINOS, da mesma mantenedora, vários de cujos dirigentes são sócios do Instituto. Desde então a Universidade se encarregou da maior parte do custeio, funcionando o Instituto como uma espécie de departamento da mesma.

O Instituto sobreviveu estes 50 anos adaptando-se às circunstâncias para cumprir, ao menos em parte, os objetivos para os quais foi criado. Além publicar pesquisas de seus sócios vivos, buscou não deixar inacabados e inéditos os trabalhos dos sócios falecidos, nem perdidos e inexplorados seus acervos, que estão abertos para novas pesquisas. Pesquisar, publicar, manter e disponibilizar bibliotecas e acervos, dar acesso às crianças através do museu continuam sendo ações do Instituto Anchietano de Pesquisas no seu qüinquagésimo aniversário de fundação.

São Leopoldo, 22 de abril de 2006.

Pedro Ignácio Schmitz, Diretor.

Veja a Ata de Fundação do IAP - 1957.

Veja o relato de Pedro Ignácio Schmitz sobre seus 43 anos de Arqueologia

Veja algumas fotos do baú