PESQUISAS
ANTROPOLOGIA Nº 61 | ANO 2004 |
Alessandro Barguini
Apresentação
Pedro Ignácio Schmitz
Editor
Resumo | Abstract |
O milho, provavelmente a planta domesticada mais alterada e mais estudada pelo homem, permanece também como a mais misteriosa. Embora apresente a maior produtividade entre as culturas extensivas de grãos, ela é hoje a menos utilizada diretamente na alimentação humana. O desequilíbrio protéico do grão levou, em muitos países que utilizaram esse produto como base da alimentação, a desequilíbrios alimentares e ao surgimento de uma doença endêmica, a pelagra.
Para alguns historiadores, o milho não se difundiu na América do Sul précolombiana, devido à ausência de tratamentos adequados que corrigissem o desequilíbrio protéico. Para outros, o milho foi a base alimentar da sociedade andina e permitiu o desenvolvimento de sociedades complexas na bacia amazônica, destruídas no contato com os conquistadores.
O estudo, partindo de uma análise das características botânicas do milho e da sua difusão, procura redimensionar a disputa, oferecendo uma nova interpretação da difusão do milho na América do Sul pré-colombiana.
São ainda analisadas as características nutricionais do milho e os modos para contornar sua deficiência protéica. O estudo mostra que o tratamento alcalino praticado na Mesoamérica não é o único meio para resolver o desequilíbrio protéico; outros meios, como a variedade da dieta, o manejo do ponto de colheita com o milho imaturo e as fermentações, são igualmente adequados.
Partindo dessas premissas, tenta-se reconstruir os hábitos alimentares pré-colombianos com ampla utilização da literatura dos primeiros cronistas e da literatura etnográfica, complementadas com os resultados de pesquisas arqueológicas.
Tendo por base esses dados, conclui-se que:
a) O tratamento alcalino representa apenas uma entre as muitas estratégias para vencer o desequilíbrio protéico do milho. Outras estratégias são possíveis, e de fato foram utilizadas pelas populações da América do Sul na época pré-colombiana. Essas estratégias são variadas, não podendo ser limitadas apenas ao tratamento culinário do milho. Elas incluem maior amplitude de itens na alimentação, o uso sazonal dos produtos e a seleção genética de variedades em função de suas características nutricionais.
b) A carência protéica não representou o único obstáculo à difusão do milho na América do Sul. Outros fatores não menos importantes foram: a 12 disponibilidade de outros itens alimentícios e as condições edáficas e climáticas de cada região.
c) O equilíbrio da dieta é altamente afetado pelo tamanho da população e pelas condições de acesso a recursos alimentares. Em populações com baixa densidade demográfica, com fácil acesso a recursos diversos e sem fortes variações sazonais na disponibilidade de alimentos – ou sem períodos de indisponibilidade de recursos alternativos –, o alto conteúdo energético do milho e a possibilidade de ser conservado não oferecem vantagens que justifiquem seu uso exclusivo. Essa consideração vale, principalmente, para as terras baixas da América do Sul.
O quadro do uso do milho que surge desta análise é o de um produto bem difundido na América do Sul pré-colombiana, mas com um uso oportunístico. Ele chegou a representar um importante complemento alimentar na sociedade andina, sem todavia tornar-se dominante. Por outro lado, teve uso marginal nas terras baixas, onde paradoxalmente transformou-se, em alguns casos, em cultivo de coivara, praticada por grupos nômades, ou populações agrícolas que regressaram à condição nômade.
Clique aqui para baixar o texto completo em PDF.
volta
Abstract
Corn is probably the most manipulated and the most studied plant, but it is still the most enigmatic among cultivated plants. Although it is the most productive grain field crop, it is the least used directly in human alimentation. In many countries that use this crop as staple food, the protein disequilibria within the grain generated nutritional disequilibria as well as a new disease: Pellagra.
Some historians consider that corn did not diffuse in pre Colombian South America because there was no culinary treatment, which could correct protein disequilibria. Other historians argue that corn had been the staple food that granted the development of Andean societies and allowed the development of complex societies in the Amazonian low lands, societies that were destroyed by conquerors.
The study starts with an analysis of the botanical and nutritional characteristics of corn, and tries to settle the quarrels offering a new interpretation of the diffusion of corn in South America.
The basis of the argumentation is built upon corn’s nutritional properties and it’s response to the different treatments applied. The study shows that alkali treatment used in Mesoamerica is not the only way to correct protein disequilibria. Other means are: diet variation, harvest point manipulation, genetic selection and fermentations.
Based on corn’s nutritional properties according to different treatments, I try to understand the meaning of pre-Columbian food habits. For this purpose, I have used chronicles of the first conquerors, ethnographic literature and reports of archeological dig sites.
In short, basic conclusions can be categorized in three main points, as follows:
a. Alkali treatment is just one of the different strategies for controlling corn’s protein disequilibria. Other strategies are possible and in fact were adopted by pre-Colombian populations in South America. These strategies vary, and cannot be limited to culinary treatment. They include a larger variety of foods in nutrition, seasonal use of the crop, harvest point control and genetic selection of the crop as a function of nutritional proprieties.
b. The protein issue was not the unique limitation to a larger diffusion of corn in South America. The availability of other crops, and the edaphic and climatic conditions were important limiting factors for a larger diffusion, according to the region.
c. Nutritional balance is strongly affected by the size of the population and by the access to food sources. In low demographic density populations that have 14 access to different food sources, without strong seasonal fluctuation – or without alternative sources of food – corn’s high caloric density and the possibility to be stored are not an advantage that justifies its exclusive use as a food source. This consideration is important especially for tropical low lands.
In the analysis, corn appears as a crop well diffused in pre-Colombian South America, but its use is opportunistic. It was an important food complement in Andean societies, but not as staple food. It had a marginal use in tropical low lands, and in some cases it became a crop of slash and burn (coivara) agriculture, practiced by nomadic tribes, or by agricultural tribes that turned to a partial nomadic style of life because of the impact suffered from European contact.
volta
Antopologia 61