Primeiro cenário: o Planalto com seus altos campos e cerrados,
que dividem as águas entre o rio Paraná e o rio Paraguai

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Paisagem uniforme, aparentemente sem grandes recursos, convidando para uma vida errante, em assentamentos transitórios, com algum adensamento em locais, onde alimentos, matérias primas e abrigos sejam mais abundantes.

Neste cenário, fazemos a primeira parada junto a uns morros testemunhos esculpidos em arenito, pela chuva e o vento. Aqui encontramos os mais antigos vestígios do Homem sul-mato-grossense, instalado, num primeiro momento, com certa estabilidade; em momento posterior certamente de forma passageira, em suas excursões de caça e coleta. Ele não nasceu aqui, nem é esta sua estação pioneira, porque assentamentos semelhantes já se espalham, nesse momento, por todo o planalto brasileiro e nem a Amazônia está excluída.

No município de Paranaíba, na margem esquerda do alto rio Sucuriú, este homem sul-mato-grossense foi estudado por uma equipe de arqueólogos do Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS e do campus de Três Lagoas da UFMS (Veroneze, 1994 e Beber, 1995). Eles pesquisaram sete sítios em morros testemunhos e afloramentos rochosos da Formação Botucatu, que se destacam na chapada coberta por Savana Arbórea Aberta, em altitudes entre 400 e 600 m. Os testemunhos da passagem desse primeiro ocupante aparecem em pequenas abas rochosas e num amplo espaço escavado debaixo de uma laje desnuda.

As paredes desses abrigos estão decoradas com pinturas simples, abstratas, lineares, acompanhadas por algumas figuras chapadas. O pigmento utilizado, predominantemente, é o vermelho e o vinho. Entre as figuras mais antigas algumas fazem combinações de linhas vermelhas e amarelas. No grande espaço subterrâneo há também gravuras, às vezes complexas, compostas por sulcos retilíneos e pequenas depressões.

O sítio mais importante é um amplo salão escavado pelas águas debaixo de uma laje desnuda de arenito silicificado. Ele mede 270 por 84 m e se compõe de cinco espaços, iluminados a partir de aberturas laterais, ou de desmoronamentos do teto. O chão é lavado pela água, que no tempo das chuvas penetra pelo teto e as aberturas laterais. Por ocasião da primeira visita, a superfície estava coberta por grande número de fragmentos líticos, a maior parte despencados do teto e fragmentos muito pequenos, não identificáveis, de cerâmica.

A avaliação da ocupação foi realizada através de um corte estratigráfico de um metro quadrado, em espaço iluminado, junto à abertura principal do grande salão. Neste corte, aprofundado até 210 cm, havia material lítico até 150 cm de profundidade. Entre 80 e 120 cm o material lítico e o carvão eram tão densamente sobrepostos que tornavam impossível a escavação com ferramentas, obrigando o arqueólogo a retirar o material com as mãos. A maior parte desse material eram fragmentos de arenito silicificado desprendidos do teto, alguns modificados pelo homem e transformados em instrumentos, que lembram os artefatos dos níveis mais profundos dos abrigos de Serranópolis, atribuídos à tradição Itaparica. Três datas de C14 confirmam esta atribuição: 10.090 ± 70 anos A.P. é a data do nível de 120 a 130 cm; 10.480 ± 70 a do nível de 130 a 140 cm; 10.340 ± 110 a do nível de 140 a 150 cm. Faltam datações para os níveis superiores, onde o material se torna escasso.

Nos abrigos pequenos a ocupação foi menos intensa porque o espaço protegido era muito reduzido, não alcançando geralmente nem 50 metros quadrados. Em dois deles foram feitos cortes estratigráficos, um deles de 1,50 por 1,50 m, levado até 110 cm de profundidade, onde foi interrompido por grandes blocos caídos; o outro, de 2,00 por 2,00 m foi aprofundado até 210 cm. Ambos mostraram ocupação passageira, com algumas lascas e um pouco de carvão. No primeiro desses cortes, entre 70 e 80 cm foi conseguida uma data de 6.710 ± 100, e entre 90 e 100 cm uma data de 7.430 ± 65 anos antes do Presente. Talvez na base as datas repetiriam as do salão subterrâneo.

A ocupação humana antiga só foi registrada nesses poucos morros testemunhos, agrupados em reduzido espaço, em meio à chapada coberta por pastos para criação de animais. Esses morros deveriam servir de referência para populações migrantes, que neles encontravam abrigo, matéria prima e recursos de alimentação. O abrigo grande seria uma espécie de assentamento central e as pequenas abas dos outros morros, espaços de apoio.

Sítios parecidos, mas não estudados, foram vistos nos municípios de Costa Rica, Pedro Leopoldo e Coxim, nos divisores de água entre os rios Paraná e Paraguai.

Os abrigos do Alto Sucuriú repetem o que se conhece do planalto Central do Brasil: um primeiro povoamento da tradição Itaparica, com artefatos formais de uma indústria curada, que se prolonga de 11.000 até aproximadamente 8.500 anos A.P.. Ela é seguida de uma indústria expeditiva, que ao redor de 6.800 também desaparece, como se a população tivesse sumido do planalto brasileiro (Araújo, Neves & Piló, 2003). Três mil anos depois, em ambiente que parece árido, reaparecem, à beira de córregos, pequenos sítios de caçadores, com muitas fogueiras. Estes sítios estendem-se até a proximidade do rio Paraná e até os abrigos do planalto basáltico de Maracaju (Kashimoto & Martins, 2000; Martins, Kashimoto & Tatumi, 2002; Martins, 2003), ambientes que não mais são de savana, mas de floresta. Isto nos faz duvidar se estes sítios representam a volta dos elementos da savana, ou são influências meridionais, ligadas à chamada tradição Humaitá. Os artefatos principais são lascas, espessos plano-convexos bem acabados e pequenos bifaces. Este novo horizonte lítico, atribuído a caçadores, antecede ali ao horizonte cerâmico dos horticultores Guaranis e às vezes parece confundir-se com seus inícios.

No Médio Tocantins (Morales, 2005 e Bueno, 2005) e também em Minas Gerais (Prous, com. pes., 2005), aparece, nesse mesmo tempo, um horizonte de plano-convexos semelhantes, mas não se conhece a conexão entre eles, nem com os horizontes anteriores.

Um último povoamento indígena do planalto central brasileiro está presente na área: o dos ceramistas das grandes aldeias circulares, conhecido como tradição Aratu. Junto ao rio Coxim, na alta bacia do rio Taquari, afluente do rio Paraguai, foram vistos pelo autor sítios cerâmicos dessa tradição, que em Goiás teria, como seus representantes, os índios Caiapó do Sul (Ataídes, 1991). Documentos da época registram a resistência dos índios Caiapó do Sul, estacionados nas proximidades de Camapuã, MS, aos paulistas que traziam o ouro das minas de Cuiabá, subindo pelo rio Taquari.

Planalto do Mato Grosso do Sul

Sítio MS-PA-02.

Sítio MS-PA-04, Bloco C.

Sítio MS-PA-05.

MS-PA-01

MS-PA-04, Bloco A2, painel 2

MS-PA-04, Bloco B1, painel 3

Sítio MS-PA-02 Salão 2, Petroglífos.

Sítio MS-PA-02 Salão 2.

Sítio MS-PA-02 Salão 2, superfície.


Abertura Introdução Iº Cenário IIº Cenário IIIº Cenário Conclusão
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