< Palestra de Abertura da SAB 2005
Terceiro cenário: as florestas da margem direita do rio Paraná,
da serra basáltica de Maracaju e do Complexo Urucum

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Na paisagem dessas regiões predominam as matas. Solos mais férteis, mais umidade geral e temperaturas mais amenas criam ambiente favorável para o desenvolvimento de populações cultivadoras da família lingüística Tupi-Guarani.

As matas da margem direita do rio Paraná são a continuação direta das florestas tropicais e subtropicais, nas quais se concentra a maior parte do povoamento das populações da tradição cerâmica Tupiguarani, populações historicamente conhecidas como Guaranis.

Igor Chmyz (1974) foi pioneiro na área, estudando quatro sítios, atribuídos à fase Ivinheima, da sub-tradição Corrugada, encontrados à margem esquerda do rio Paraná e ao longo do rio Samambaia, seu afluente da margem direita. Os sítios distam do rio entre 40 e 150 m e ocupam pontos elevados, entre 10 e 30 m de altura em relação ao nível da água.

O arqueólogo paranaense nos dá a visão concreta de um sítio e de seus sepultamentos (p.74-75): “uma faixa elíptica, de areia impregnada de carvão vegetal, restos de cozinha e cacos de cerâmica, medindo 10 m de largura. Esta elipse, que media 100 x 80 m, era interrompida na extremidade orientada para o rio. Em alguns pontos desta faixa de habitações, a profundidade dos refugos atingia até 80 cm. Na parte central desta ferradura, os sedimentos eram de cor amarela-clara. Nestas áreas, somente no sítio MT-IV-1, em 13 quadras abertas, foram registradas 30 urnas funerárias. Notamos uma tendência das urnas se alinharem num sentido geral leste-oeste. Nas escavações podiam-se perceber os contornos das covas abertas para a deposição das urnas e restos humanos. As urnas, normalmente, eram tampadas com recipientes rasos, outros quase do tamanho das próprias, e, ainda, com cacos grandes. (...) Algumas urnas não possuíam fundo e foram protegidas, por dentro, com cacos grandes. Num caso, em que faltava grande parte do fundo da urna, o crânio jazia no sedimento arenoso. Foram registradas várias práticas funerárias: uma peça continha crânios e alguns ossos pertencentes a dois indivíduos; sobre os restos humanos foram depositados cacos de vasilhas. Duas dessas vasilhas, reconstituídas posteriormente, mostraram sinais de quebra intencional. Em outra urna, o crânio havia sido colocado no fundo e os ossos longos dispostos em torno. Em quase todas havia, no seu interior ou no lado de fora, pequenos recipientes cerâmicos, sugerindo oferenda. Tembetás em T, de cristal de rocha e de resina, ocorreram em muitas urnas. Em nenhuma urna, seja pelas dimensões das peças, seja pela disposição dos ossos, constatamos algum enterramento primário. Os enterramentos primários encontram-se na mesma profundidade e alinhamento das urnas. Num deles, de posição semi-fletida, em decúbito lateral esquerdo, cacos grandes cobriam apenas o crânio. Ao lado da mandíbula havia um tembetá em T, de cristal de rocha, e, junto aos ossos dos pés, um machado alongado polido, polidores de sulco e possível corante. Outro esqueleto jazia com o crânio apoiado numa vasilha rasa. Exemplificando, ainda, a diversidade das práticas funerárias, citamos os restos de um indivíduo que foi disposto na cova em posição acocorada, tendo sobre o crânio uma vasilha emborcada.”

No projeto Porto Primavera, correspondente à área de alagação de uma grande barragem no rio Paraná, a montante da área estudada por Chmyz, Kashimoto e Martins (2000) e Martins, Kashimoto & Tatumi (2002) realizaram um trabalho minucioso de levantamento, avaliação e salvamento dos assentamentos dos horticultores ceramistas e também dos caçadores pré-cerâmicos. Não possuindo um modelo explicativo para o povoamento local, eles insistiram na caracterização dos sítios, na construção de uma minuciosa cronologia e na reunião dos elementos que ajudassem a compreender a distribuição dos assentamentos no espaço e no ambiente.

Os resultados mostraram que os sítios estão implantados em locais próximos de cursos perenes de água não atingidos pelas cheias, em antigas ilhas e pontos de inflexão dos rios. As datas para as populações da tradição cerâmica Guarani começam ao redor de 1.250 anos A.P., mas os sítios freqüentemente estão sobre estratos pré-cerâmicos, cujas datas recuam a mais de 4.000 anos A.P. O material dos sítios de caçadores é composto principalmente por lascas e plano-convexos bem acabados. Às vezes os artefatos líticos parecem continuar nas camadas cerâmicas, sem estar claro se existe continuidade técnica ou apenas contigüidade estratigráfica.

Em tempos coloniais os Guaranis da região foram levados como escravos para São Paulo, ou postos a serviço dos colonos espanhóis, ou ainda reduzidos nas missões jesuíticas.

Outra área da floresta tropical em que aparecem sítios atribuídos aos Guaranis é a serra basáltica do Maracaju, também caracterizada por terra fértil e suficiente chuva. A pesquisa de Martins (2003) descobre vestígios desse grupo nos abrigos rochosos e em sítios superficiais, às vezes sobrepostos a estratos líticos semelhantes aos da margem direita do rio Paraná. As datas da ocupação ceramista são compatíveis com as da área anterior, sendo desconhecida a idade dos sítios líticos.

As paredes desses abrigos estão marcadas por numerosas gravuras lineares simples, entre as quais são mais comuns as pisadas de aves, mas esporadicamente também aparecem representações de plantas e de humanos. Em alguns abrigos, os sulcos foram pintados com cores roxo, preto ou branco. Gravuras semelhantes ocorrem em Goiás, São Paulo, o sul do Brasil e o Paraguai. É difícil dizer se eles foram feitos pelos caçadores ou pelos horticultores; talvez por ambos.

O autor da pesquisa enriquece o trabalho contando a história das populações Guaranis desde o período colonial até os tempos atuais, em que a densa população dessa etnia é denomina Kaiuwa.

A terceira área em que esta população foi pesquisada são as bordas florestadas do planalto residual, em Corumbá (Peixoto, 1995). Ali existe um número bastante grande de sítios, cuja cronologia é desconhecida, mas há boas razões para supor que se trate de assentamentos dos antepassados dos chamados Itatim, que tanto serviram aos espanhóis do núcleo de Xerez, como foram catequizados pelos jesuítas, sendo os sobreviventes de ataques paulistas e guaicurus levados para as reduções do Paraguai.

CHMYZ, 1974.

CHMYZ, 1974.

CHMYZ, 1974.

Divisa do Planalto com a Planície

Martins, 2003

Martins, 2003

Martins, 2003

Complexo da Morraria do Urucum

Complexo da Morraria do Urucum visto a partir da Lagoa do Jacadigo


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